Povos indígenas do Brasil
Povos indígenas do Brasil na Coleção de Obras Raras e Especiais da Biblioteca da Câmara dos Deputados
A presente mostra traz uma seleção das obras raras e especiais disponíveis na Biblioteca da Câmara dos Deputados sobre os povos indígenas e tem por objetivo celebrar e reconhecer a importância da diversidade dos povos originários do Brasil e como estes influenciaram a formação da cultura brasileira.
Devido ao recorte temporal do acervo raro, composto por livros que datam do século XVI até o início do século XX, algumas obras não apresentam a voz dos próprios indígenas, uma vez que estes foram colocados sob o olhar do não-indígena. Entretanto, nas obras classificadas como especiais, que incluem publicações a partir do século XX e que possuem caráter cultural e ou atributos físicos diferenciados, é possível identificar narrativas trazidas pelo indígena.
Dessa forma, se estivermos devidamente alertas para contextualizar limitações culturais da perspectiva de alguns dos autores, próprias de sua época, identificaremos o valor histórico e etnográfico dos relatos e testemunhos da cultura dos povos indígenas e, consequentemente, de sua influência direta na sociedade brasileira. Poderemos também, servir-nos das obras para refletir criticamente sobre essas diferentes óticas, dando mais contexto à dimensão de luta e resistência dos povos indígenas.
Nesta mostra, não temos a pretensão de fazer plena justiça à complexidade e pluralidade dos povos indígenas, sabidamente, existentes há pelo menos 15 mil anos e cuja história as diferentes áreas da ciência ainda têm muito a descobrir.
Intencionamos divulgar o nosso acervo, pelo seu valor na apreciação das memórias individuais e coletivas a respeito dos povos indígenas, bem como gerar conhecimento no leitor a respeito do seu passado e presente.
O primeiro relato escrito que se tem notícia sobre a presença dos povos indígenas no território brasileiro foi feito pelo escrivão e integrante da frota de Cabral - Pero Vaz de Caminha. O relatório de Caminha, enviado para o rei de Portugal, D. Manuel I, foi escrito e datado de 1 de maio de 1500, além de narrar a chegada dos portugueses, apresenta um registro detalhado do primeiro encontro com os habitantes da nova terra e, posteriormente, sobre os seus hábitos e costumes. Houve preocupação em revelar as características corporais, a alimentação e a moradia. Tendo sido descoberta apenas em 1773 na Torre do Tombo de Lisboa, foi publicada pela primeira vez em 1817, pelo padre Manuel Ayres de Cazal (1754-1821), na Corografia Brasílica, ou, Relação Histórico-Geográfica do Brasil. A carta é considerada um documento de grande valor documental e literário, tendo sido inscrita no Programa Memória do Mundo, da Unesco. A edição que ora apresentamos na Mostra é de 1833.
À medida que as notícias sobre a nova terra se expandiram para a Europa, viajantes de outras nacionalidades começaram a aportar nestas terras e a produzir registros sobre os nativos. Informações de destaque são prestadas pelo alemão Hans Staden (1525-1576) , que esteve prisioneiro dos Tupinambás por nove meses. O seu relato, originalmente publicado em 1557 é apresentado aqui na obra, Hans Staden: suas viagens e cativeiro entre os índios do Brasil, em texto ordenado por Monteiro Lobato, em edição de 1945, com gravuras da edição original.
Os usos e costumes dos povos originários também podem ser lidos no livro História da Província de Santa Cruz:, a que vulgarmente chamamos de Brasil, escrito pelo cronista português Pedro de Magalhães Gândavo (1540-1580). Considerada a primeira obra em língua portuguesa sobre o Brasil, sendo a primeira edição de 1576.
As relações iniciais estabelecidas entre os europeus e os indígenas eram amistosas e pautadas por trocas: o escambo. O clássico caso da exploração do pau-brasil evidencia o sistema de permuta, pois os indígenas doavam sua força braçal em troca de ferramentas e utensílios. A obra Do Escambo à Escravidão: as relações econômicas entre os portuguesas e índios na colonização do Brasil 1500-1580 de Alexander Marchant (1912-1981), publicado em 1943, analisa as relações de troca e, posteriormente, como estas foram substituídas pela escravidão indígena, à medida que as capitanias hereditárias eram instituídas, incluindo a expansão das lavouras de cana de açúcar. Destaca, ainda, o papel das populações indígenas na conquista e colonização da América Portuguesa.
Nesta mesma linha da questão da escravidão de indígenas - além da obra exposta - registramos a presença das seguintes obras em nosso acervo que também tocam na temática: A Escravidão no Brasil: ensaio juridico-social do jurista brasileiro Agostinho Marques Perdigão (1824-1881), publicada em 1866, com um capítulo dedicado a questão e; Memoria sobre a necessidade de abolir a introdução dos escravos africanos no Brasil : sobre o modo e condições com que esta abolição se deve fazer; e sobre os meios de remediar a falta de braços que ela pode ocasionar, de João Severiano Maciel da Costa (1769-1833), publicada em 1821, aponta que o trabalho de índios moradores de vilas portuguesas estava presente em todas as capitanias.
A história dos indígenas no Brasil contempla também as chamadas "reduções jesuíticas". Os jesuítas entraram em aldeias indígenas com o objetivo de conhecer
suas línguas, seus costumes e para os catequizar, além de os incluírem em seus colégios, transformando-os em cristãos e em trabalhadores submissos. A obra Tratados da Terra e Gente do Brasil, do jesuíta português Fernão Cardim (1549-1625), escrita entre 1583 e 1601, publicada em 1923, apresenta conhecimentos de povos indígenas observados e estudados pelo autor, além de oferecer a oportunidade de aprofundamento sobre o Brasil colonial.
As populações indígenas exerceram grande influência na colonização e a obra Caminhos e Fronteiras, do historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), enfoca o cotidiano e a vida do sertanista, ressaltando a influência dos povos indígenas na colonização e a incorporação de seus costumes.
Os indígenas também foram retratados e estudados por naturalistas que participaram de expedições ao Brasil no século XIX. Dentre estes, destacamos o botânico Carl Friedrich Philipp von Martius (1754-1868) com a obra Natureza, Doenças, Medicina e Remédios dos Índios Brasileiros, publicada na Alemanha, em 1844, e que descreve como os indígenas entendiam e lidavam com as doenças e como as curavam.
Obra de referência histórica e artística também foi produzida pelo pintor, desenhista e viajante alemão Jean Baptiste Debret (1768-1848). Debret produziu uma vasta iconografia sobre o Brasil do Século XIX onde também retratou os indígenas brasileiros. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil é um livro que pertence à coleção Biblioteca Histórica Brasileira da Editora Martins. Esta coleção está inspirada nos pintores europeus que vieram retratar o Brasil no início do século XIX, entre eles Johann Moritz Rugendas, Hercules Florence, Conde de Clarac, Aimé-Adrien Taunay, Carl von Martius, entre outros.
O pintor alemão Johann Moritz Rugendas (1802-1858) fez parte de uma expedição de reconhecimento científico financiada pelo Estado russo e dirigida pelo barão Georg Heinrich von Langsdorffretratou. A partir desta expedição foram geradas várias publicações sendo a primeira Voyage Pittoresque dans le Brésil (Viagem Pitoresca através do Brasil), publicada em 1827. Outras publicações contendo pranchas com imagens de indígenas derivaram desta primeira. Na vitrine está exposta uma prancha intitulada Família Indígena - Botocudos.
Em relação ao Tupi, língua clássica indígena do Brasil, destacamos a obra O Tupi na Geografia Nacional de Teodoro Sampaio (1855-1937). Nesta obra, Sampaio mostra como a língua e a cultura indígena estão enraizadas em nossa cultura. Também ressalta que o entendimento da geografia brasileira passa pela cultura e linguagem dos povos indígenas.
O livro Xingu: Território Tribal de Maureen Bisilliat (1931- ) em parceria com os irmãos Cláudio Villas Bôas (1916-1998) e Orlando Villas Bôas (1914-2002), contém 120 fotos e é rico em informações acerca dos costumes dos povos indígenas do Xingu.
Arte plumária dos índios Kaapor de Darcy Ribeiro e Berta G. Ribeiro ; com pranchas elaboradas por Georgette Dumas. Na obra, Berta G. Ribeiro analisa as coleções de adornos de penas que o Museu Nacional e o Museu do Índio, do Rio de Janeiro, possuem dos Kaapor do Maranhão. Darcy Ribeiro, por sua vez, apresenta as observações referentes à arte plumária, que fez nas próprias aldeias. A obra é pioneira no campo da arte plumária produzida pelos povos indígenas brasileiros.
A desenhista e aquarelista Noêmia Mourão traz também seu interesse na temática em Arte plumária e máscaras de dança dos índios brasileiros , em sessenta e nove aquarelas. A obra não é feita necessariamente com o rigor antropológico, porém a autora explica que consultou bibliotecas, museus, conversou com etnólogos e visitou tribos para elaboração das ilustrações. O livro conta ainda com prefácio do sociólogo Gilberto Freyre.
Por fim, a nossa exposição traz uma obra que dá plena voz a indigenas da etnia Xavante. Em Wamreme za'ra : nossa palavra : mito e história do Povo Xavante / Sereburã ... [e outros], tradução Paulo Supretaprã Xavante e Jurandir Siridiwê Xavante. O livro traz mitos de criação narradas pelos próprias xavantes, bem como relatos do contato com não-indígenas a partir de sua própria perspectiva. Ricamente ilustrada, a obra traz desenhos elaborados por jovens xavantes, bem como fotografias históricas.
Além das obras expostas com relatos dos viajantes, destacamos a presença no nosso acervo da Histoire d'un voyage faict en la terre du Brésil (Viagem à terra do Brasil), de Jean Léry (1536-1613), missionário calvinista, escritor e historiador francês. A edição original é 1578, sendo esta uma edição de 1880 - a biblioteca possui exemplares traduzidos da obra. O autor apresenta um relato sobre a fracassada tentativa de estabelecimento de uma colônia francesa no ultramar. Nesse contexto, Léry passou um tempo significativo entre os índios Tupinambá, aproveitando a oportunidade para estudar sua língua, costumes e música.
A Biblioteca da Câmara possui um farto acervo de diversas publicações que tratam da nação indígena no Brasil. Em 2023, organizou a obra intitulada Repertório Bibliográfico sobre a Questão Indígena no Brasil, publicada pelas Edições Câmara. Esta obra cumpre o propósito de organizar e difundir fontes de informação, em
diversos temas, que auxiliam na compreensão da realidade dos povos indígenas no Brasil.
Livros expostos nas vitrines
Staden, Hans (1525-1576).
Hans Staden : suas viagens e cativeiro entre os índios do Brasil / texto ordenado por Monteiro Lobato.
São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1945.
Fonte de consulta importante sobre o período inicial de nossa história. Narra a odisseia vivida pelo autor durante nove meses como prisioneiro dos Tupinambás. Staden descreve, além das experiências de seu cativeiro, suas viagens ao Brasil, desde os portos de origem.
E 910.4(81) STADE-H HANS 4.ED.
Debret, Jean Baptiste, 1768-1848.
Viagem pitoresca e histórica ao Brasil
Martins, São Paulo, 1949.
A Viagem pitoresca evidencia o gênio artístico do pintor e desenhista francês Jean Baptiste Debret, cuja característica marcante é o fato de revelar em imagens o Brasil do início do século XIX.
981 BIBLI-HB BIBLI V.4 T.1 2.ED.
Casal, Manuel Ayres de, 1754-1881.
Corografia brasílica, ou, relação histórico-geográfica do Brasil.
Rio de Janeiro: Typ. Gueffier, 1833.
Primeira coreografia impressa no Brasil no ano de 1817, onde se imprimiu pela primeira vez a carta de Pero Vaz de Caminha.
V 981 AYRES-M COROG
Gândavo, Pero de Magalhães, 1540-1580
História da Província de Santa Cruz
Lisboa : Typographia da Academia Real das Sciencias , 1858. Esta obra foi impressa em 1576 e é considerada a primeira sobre a história do Brasil. Descreve a geografia, a história natural do país e os costumes dos indígenas. Destaca o encantamento que a língua dos indígenas exercia nos colonizadores.
V 981.02 GANDA-PM HISTO (1)
Marchand, Alexander, 1912-1981.
Do Escambo à escravidão: as relações econômicas entre os portuguesas e índios na colonização do Brasil 1500-1580 Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1943.
Analisa as relações entre os portugueses e os indígenas no Brasil das Capitanias Hereditárias.
V 981(082.1) BRASIL BRASIL (1) v. 225
Martius, Karl Friedrich Philipp, 1794-1868.
Natureza, doenças, medicina e remédios dos índios brasileiros
Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1939.
981(082.1) BRASIL BRASIL v. 154
Sampaio, Teodoro, 1855-1937.
O tupi na geografia nacional
Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1987. Trata de como a língua e a cultura indígena estão enraizadas em nossa cultura. Também, ressalta que o entendimento da geografia brasileira passa pela cultura e linguagem dos povos indígenas.
981(082.1) BRASIL BRASIL 5.ED. v.380
Bisilliat, Maureen, 1931-
Xingu: território tribal Kosmos, Rio de Janeiro,1979.
Contém 120 fotos e rica informação acerca dos costumes dos povos indígenas do Xingu. Com textos dos irmãos Cláudio e Orlando Villa-boas.
Documenta como as populações do Xingu puderam se desenvolver, manter suas tradições e até voltar a proliferar depois de ameaçadas de extinção. O livro está disponível em português e inglês. Possui texto de Orlando e Cláudio Villas-Bôas.
Mourão, Noemia, 1912-1992.
Arte plumária e máscaras de dança dos índios brasileiros.
Of. Artes Gráficas Bradesco, São Paulo,1971.
O livro tem 30 páginas de texto e 70 páginas de estampas com aquarelas. A introdução é de Gilberto Freire.
DE 7.031.3(81) MOURA-N ARTE
Ribeiro, Darcy, 1922-1997 e Ribeiro, Berta G., 1924-1997.
Arte plumária dos índios Kaapor
Offset Gráfica Seikel, Rio de Janeiro, 1957.
A obra é pioneira no campo da arte plumária produzida pelos povos indígenas brasileiros.
7.031.3(81) RIBEI-D ARTE
Wamrêmê Za´Ra Nossa Palavra. Mito e História do Povo Xavante.
Senac, São Paulo,1997.
São traduzidas narrativas da história oral Xavante que constituem parte significativa de sua memória coletiva. Integram o livro desenhos dos Xavantes que mostram aspectos de seus mitos e de seu cotidiano, além de fotografias que documentam circunstâncias históricas dos contatos com o branco, ocorridas há meio século, e também cenas atuais da vida desse povo.
39(=981) WAMRE-Z N WAMRE
Gravuras
Rugendas, Juan Moritz, 1775-1826. Família indígena - Botocudos
Debret, Jean Baptiste, 1768-1848. Indios Goyanas
Debret, Jean Baptiste, 1768-1848. Encontro de indígenas com viajantes
Demais publicações que fazem parte do texto e do acervo da Mostra
Lery, Jean de, 1534-1611.
Histoire d'un voyage faict en la terre du Brésil
Alphonse Lemerre, Paris, 1880.
Relato de viagem de Jean de Léry publicado em 1578. O autor relata sua jornada de viagem da França até a Baía de Guanabara e descreve a vida dos índios Tupinambás.
V 918.1 LERY-J HISTO (1) e V 918.1 LERY-J HISTO (2)
Perdigão, Agostinho Marques 1824-1881.
A Escravidão no Brasil: ensaio juridico-social
Typ. Nacional, Rio de Janeiro, 1866-1867.
O livro analisa a escravidão no Brasil sob os aspectos jurídico, social e histórico.
36(871)(091) V.1
Cardim, Fernão, 1540-1625.
Tratados da Terra e gente do Brasil.
J. Leite e Cia, Rio de Janeiro, 1925.
Tratados da terra e gente do Brasil foram escritos entre 1583 e 1601 pelo padre jesuíta Fernão Cardim. Os tratados permitem-nos ter um conhecimento da terra brasileira e dos povos ameríndios, assim como do papel dos jesuítas nessa região e dos hábitos da vida nos engenhos. A obra é de interesse pela descrição da terra e do clima, da fauna e da flora, e de seus habitantes.
Holanda, Sérgio Buarque de, 1902-1992.
Caminhos e fronteiras.
J. Olympio, Rio de Janeiro, 1957
Aborda a presença indígena nas rotas bandeirantes sua contribuição como guia e mestre dos sertões. Este ensaio conclui que apesar das diferentes formas de resistência, o conhecimento indígena foi fundamental para a conquista do interior da América portuguesa.
981(082.1) DOCUM-B DOCUM V.89
Queluz, João Severiano Maciel da Costa, marquês de, 1769-1833.
Memória sobre a necessidade de abolir a introdução dos escravos africanos no Brasil; sobre o modo e condições com que esta abolição se deve fazer; e sobre os meios de remediar a falta de braços que ela pode ocasionar.
Imprensa da Universidade, Coimbra, 1821.
326.8(81) COSTA-JS MEMOR
Ferreira, Jair Francelino.
Repertório bibliográfico da questão indígena no Brasil.
Câmara dos Deputados, Edições Câmara, Brasília, 2023.
Esta obra cumpre o propósito de organizar e difundir fontes de informação, em diversos temas, que auxiliam na compreensão da realidade dos povos indígenas no Brasil.
Curadoria e textos de: Christiane Coelho da Rocha, Diego Cavalcanti Cunha e Eduarda de Sousa Lima
Centro de Documentação e Informação-Cedi
Coordenação de Biblioteca - Cobib
Seção de Obras Raras e Coleções Especiais - Seore
Brasília, abril de 2025